Guerra e o apocalipticismo
A guerra é a continuação da política por outros meios, já dizia Clausewitz. Mas eu digo mais: a guerra é a continuação da religião quando esta se torna política.
O tema da guerra aparece de forma constante nas religiões. Há a batalha cósmica entre Ahura Mazda e Ahriman no zoroastrismo, a queda de Judá nas mãos dos babilônios por sua infidelidade a Yahweh, e, no Islã, o reino do Mahdi para livrar o mundo de todo erro e injustiça. Portanto, o belicismo se faz presente na origem, no desenvolvimento e na conclusão das mais diversas crenças. Ele é tanto a justificativa espiritual para as dores humanas, quanto a consequência de seus atos pérfidos e a solução para alcançar o mundo porvir.
E o desencadear de grandes guerras sempre eleva os temores de que o juízo final se aproxima. O medo do fim dos tempos é antigo, e recorrer aos textos sagrados para tentar prevê-lo é uma constante. Toda grande crise enfrentada pela humanidade foi apontada como prova de que as profecias do apocalipse estavam se cumprindo. Agora, na guerra contra o Irã, não seria diferente.
Os textos apocalípticos mostram um mundo em crise absoluta. Há guerra, fome, doenças, perseguição religiosa, idolatria e corrupção generalizada. É muito fácil olhar para tudo isso e enxergar o momento em que vivemos. Mas, se olharmos para trás, existem inúmeras outras situações históricas em que tudo isso também se encaixa perfeitamente, ou até com maior intensidade do que no tempo presente.
A questão é que, para além do contexto em que o texto foi escrito, de sua audiência e da intenção original do autor, há algo mais profundo. O texto sagrado, ao descrever esse colapso moral que antecede o fim, nos revela uma verdade transcendental: a humanidade está sempre em crise. E esses ciclos de injustiça e violência se repetem, geração após geração, até que a própria divindade intervenha para corrigir e restaurar a ordem, instaurando o seu reino de justiça e paz.
As imagens da guerra atual entre Israel, Estados Unidos e Irã nos assustam. Vemos, em tempo real, bombardeios e operações militares de alto escalão. Isso se soma à violência que se perpetua em outras regiões, como Ucrânia, Congo e Mianmar. De fato, nos encontramos com o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, nossa percepção é moldada pelo acesso imediato à informação. Estamos em contato direto, e muitas vezes emocional, com os conflitos. E, nesse processo, a primeira forma que encontramos para dar sentido ao que vemos é retornar às profecias do Apocalipse. Elas se tornam, paradoxalmente, um tipo de consolo. Uma esperança de que toda essa injustiça seja interrompida pela intervenção restauradora de Deus.
Mas, se o fim do mundo não veio com a invasão da horda mongol, não veio com a peste negra, não veio com Napoleão, nem com as duas guerras mundiais e a explosão atômica, não há motivos para achar que será agora.
Aguardemos o próximo Armagedom.
(Pintura da capa: The Last Judgement - John Martin, 1853)